quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

VIDEOCLIPE



Texto produzido em 2015.

Imagens estáticas ou em movimento ganham um valor novo quando a vida nos coloca diante da morte de uma pessoa muita amada. Desde a última vez em que isso me aconteceu, há sete meses, desenvolvi verdadeira fixação por recuperar imagens de vídeo e postá-las na internet, para que fiquem para sempre na tal nuvem, sem possibilidade de se perderem por qualquer motivo. Passei a imprimir fotos que só existiam em meio digital, cobrir as paredes da casa com murais temáticos em papel isopor, entre outras manias.

Lembro a primeira viagem que fizemos sozinhos, meus filhos e eu, depois da morte do meu marido. Fomos para Pirenópolis, mas parecia que íamos para a lua de tão difícil que foi tomar essa decisão, pegar o carro, colocar os meninos dentro e sair do Distrito Federal. Lutava contra o fantasma de uma sensação absoluta de vulnerabilidade pela falta da presença protetora dele ao nosso lado e contra o desânimo com relação a qualquer programa. De alguma maneira, venci, ou simplesmente saí da paralisia, e fomos....

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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

BURACO DAS ARARAS


Foto: Mila Oliveira.
Texto produzido em 2015.

Existem muitas maneiras de contar o tempo e, em algumas fases da vida, a mais doída delas talvez seja o calendário. Chegar à marca de 190 dias sem a presença física do meu amor nesse mundo é insuportável. Saber que, se tudo der certo e espero que dê, passarei pelo menos mais 14 mil dias assim, também não ajuda muito.

Por isso, tenho preferido contar a ordem das árvores que floresceram no Cerrado nesse período – primeiro a paineira, depois o margaridão, em seguida o ipê rosa (que já está na segunda florada), a flor de São João e seu laranja intenso, e agora as patas de vaca e alguns ipês amarelos, mais apressados. Agarro-me também na observação das fases da lua, que se reiniciam a cada 28 dias e me trazem a ilusão de não estar me afastando dele tanto assim no tempo. Começa no escuro da lua nova, depois aparece um sorriso fininho no céu, que vai se ampliando até ficar parecido com o dele, bem aberto e um tanto provocante, no meio da lua crescente. O problema é a lua cheia, que sempre me quebra quando ilumina o lago como um imenso queijo amarelo, e ele não me liga para perguntar se eu já vi a lua, como sempre fazia...

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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

LADO B


Foto: Daniela Rojas.
Texto produzido em 2015.

Todo mundo tem um lado B na vida, mas algumas pessoas carregam na dificuldade de lidar com ele. Sempre fui muito ruim com o lado B das coisas, mas principalmente com o meu próprio. Nele está a raiva, o sarcasmo, a vontade de mandar os outros tomarem no meio do olho daquele lugar, a revolta com quem escreve lances absurdos dessa trama, mas principalmente está a fragilidade – o maior palavrão que eu conheço neste mundo. Pior, um palavrão que parece me perseguir nos nem tantos anos assim de vida que tenho. Afinal, já fui órfã, mãe solteira e, mais recentemente, me tornei viúva. Creio que seja um currículo farto de situações de risco ou vulnerabilidade, como se diz no jargão da área social onde já militei durante muitos anos.

Mas a minha aversão absoluta a lidar com esse palavrão inscrito no meu lado B me levou a negar com toda a veemência do universo e da minha energia, por vezes assustadora, toda a fragilidade desses papéis que fazem parte da minha história. Lembro-me de reclamar com o meu marido de ele não me ajudar a tirar as coisas do carro e ele respondendo, malcriado como sempre: “então primeiro você precisa aprender a deixar algum pacote para os outros carregarem.” E, apesar de todos os meus encontros com a fragilidade ao longo da vida, preciso confessar minha profunda dificuldade e pânico em não dar conta de carregar todos os pacotes sozinha...

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

MAPA DE NAVEGAÇÃO


Foto: Marina Oliveira.
Texto produzido em 2015.

Na parede do lado esquerdo da minha cama tenho um mural com um poema de Cora Coralina e fotos. Em cima da minha cabeça, um quadro com a frase: “Vem comigo, no caminho te explico!”, com uma ilustração de uma mala de viagem com um coração, presente da minha irmã caçula. Logo adiante, na varanda, em cima da mesa redonda de vidro, três quebra-cabeças do homem aranha, uma garrafa vazia de vinho rose com flores, trocadas de quando em vez, dois copinhos de vela aromática e uma foto do meu amor, com uma citação da Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa. Esses são os pontos cardeais do meu mapa de navegação desde janeiro de 2015, quando a morte levou meu marido.

No convés do nosso barco de papel – nosso quarto – está nossa cama unida à da nossa filha mais velha, onde dormimos os três – eu e nossos dois filhos, agarrados desde então nessa travessia. Em alguns dias, o vento sopra a favor e ajuda o tempo a passar. Em outros, sopra contra e haja força e paciência para chegar ao final do dia. Nos piores, sem vento nenhum, é como estar no meio do mar, sem terra à vista, e aí só muito mais paciência, fé e humildade para suportar a passagem do tempo...

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